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Alberto Saraiva

Esfiha agressiva

Alberto Saraiva, criador da rede de comida árabe Habib's, conta como o “marketing agressivo”, que falou até de impeachment, manteve a expansão da empresa mesmo em ano de forte retração econômica

Por Vinicius Pereira

query_builder 7 jan 2017, 13h00

Durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a rede de comida árabe Habib's pôs no ar uma campanha em que anunciava “caiu!”, sustentada por imagens de manifestantes nas ruas. Parecia um posicionamento político da empresa, mas era o anúncio da queda do preço da esfiha, salgado que é seu carro-chefe. Em outro momento, a Ragazzo, que pertence ao grupo e serve comida italiana, anunciou o lançamento da “coxinha de mortadela”. Era uma referência provocativa aos “coxinhas”, favoráveis ao impeachment, e aos “mortadelas”, defensores da ex-presidente. Nesses e em outros episódios, o grupo insinuou um posicionamento político com campanhas arriscadas, mas a aposta foi compensadora, afirma o fundador do Habib's, Alberto Saraiva. “Na crise, o marketing tem que ser agressivo”, diz. “Foi isso que manteve as pessoas em nossas lojas.”

A estratégia é o oposto do que costuma acontecer em momentos de aperto econômico, quando muitas empresas cortam verbas de marketing e publicidade sob o argumento de “redução de custos”. Saraiva, português de nascimento, está habituado a ser do contra. Quando era estudante de medicina, perdeu o pai, vítima de um assalto, e herdou uma padaria. Sem nenhuma experiência, decidiu vender os pães 30% mais baratos que a concorrência. A decisão vingou. Logo depois fundaria o Habib’s, hoje um conglomerado de fast-food com 450 unidades, divididas entre três marcas, único grupo nacional capaz de concorrer diretamente com os gigantes globais McDonald’s e Burguer King – e que segue a mesma a política de preços baixos daquela padaria inicial.

Em 2016, ano de forte recessão, o Habib's abriu 100 novas lojas, manteve em curso o plano de inaugurar sua primeira unidade no exterior, previsto para este ano, e o de abrir o capital do grupo, em 2018. Saraiva falou ao site de VEJA.

O Habib’s é conhecido pela política do ‘mais barato’. Como é possível manter essa estratégia durante a crise? Nós preferimos dizer que o Habib's é um empresa democrática – o “barato” às vezes confunde a cabeça das pessoas. Isso significa atrair para nossas lojas todos os níveis sociais. Foi o que garantiu que o Habib’s sobrevivesse nesses 28 anos. É claro que há uma equação por trás disso. Por exemplo: lançamos oito tipos de milk shake, de 14,80 reais, valor mais baixo que em qualquer outro lugar. Quem hoje toma o milk shake por esse preço antes comprava um suco por 5,40 reais. Ou seja, o preço baixo em um produto não significa que o cliente não pode elevar o gasto. Nós saímos de um gasto médio por mesa de 28 reais para 36 reais. De que forma? Qualificando o cardápio.

Em 2016, os picos de inflação foram puxados pelo item alimentação. Não seria mais lógico repassar ao consumidor os aumentos das matérias primas? Isso não funciona. Toda vez que eu repasso o preço, eu tenho uma queda de transações comerciais, no número de vendas. É quase que diretamente proporcional: subiu o preço, cai o cliente. Não há uma fórmula que alie repasse de preços e manutenção de cliente, principalmente em uma época com 12 milhões de desempregados. McDonald's e Burger King já perceberam isso, e estão entrando na nossa praia: agora, eles usam coisas na linha “tudo por 8 reais, 5,80 reais, 6 reais”. É algo que eles nunca fizeram.

A concorrência pelo preço aumentou? Muito. Nunca se falou tanto de preço. Antes, McDonald's e Burger King falavam de outras coisas. Quanto tempo foi mantida a campanha do “número 1” (conjunto de lanche, refrigerante e batata frita, do McDonald's)? E por que não é mais usada? Porque agora o “número 1” custa 27 reais – e então começaram a entrar na nossa praia. Nós demos o troco neles com dois filmes [comerciais do Habib’s que fazes referência aos concorrentes]. Isso fez com que nossas vendas explodissem. A categoria sanduíche na rede foi multiplicada por três.

A esfiha perdeu espaço, então? Não, ela continua sendo o carro-chefe, respondendo por 40% das vendas. Se invadiram nossa praia, demos o segundo troco neles, com mais uma campanha mencionando a concorrência. Fizemos um dos vídeos mais vistos no Youtube brasileiro em 2016 com uma verba de 2 milhões de reais. Isso é nada. Campanhas do McDonald’s custam 20 milhões, 25 milhões de reais.

Por que essa menção tão aberta e frequente à concorrência? A crise exige que o marketing seja extremamente agressivo. Nós nunca tínhamos feito filmes como esses. Eles despertaram a atenção do público, e isso virou comentário, boca a boca. Nossa marca cresceu com isso. Primeiro nós atacamos e conversamos com as pessoas desempregadas com a campanhas ‘Todo mundo se ajudando’. Eram pessoas desempregadas, e não atores. [Mostra o vídeo da campanha]. Ficamos três meses falando de todo mundo se ajudando e as pessoas falando direto sobre isso. Depois nós falamos de inflação. Além disso, começamos a dar em dobro nosso principal produto, a esfiha. Combatemos a crise mantendo os clientes dentro das nossas lojas. Foi uma coisa violenta. Essas ações tiveram muita repercussão. É por isso que estamos entre as cinco empresas mais admiradas pelos jovens.

O senhor fala em manter as pessoas nas lojas. Mas foi possível crescer? Assinamos em dezembro o contrato de loja número 100 de 2016. Esse era nosso objetivo para o ano, de 100 novas lojas. Dessas, dezenove são restaurantes grandes, tradicionais. Os outros são as unidades Express, menores, que vendem um cardápio mais enxuto. Criamos um negócio dentro do nosso negócio. Foi o que permitiu a expansão e criou 2.400 empregos diretos. Em 2017, devemos inaugurar nossa primeira loja fora do país, e, em 2018, abrir o capital. Estamos trabalhando com a [consultoria] Deloitte há dezoito meses para preparar essa operação.

Seu discurso é de otimismo, mas é difícil que o Habib's não tenha sentido os efeitos da crise. Como a empresa foi afetada? Todos nós estamos sentindo, claro. Por que o país parou? Porque nós, os empresários, investidores, as pessoas que têm alguma sobra, as pessoas que querem crescer, não sabem o que vai acontecer no mês que vem. A instabilidade política está criando isso. Nós tínhamos, por exemplo, um plano de abrir até 40 lojas no Rio de Janeiro. Cortamos o plano totalmente porque o Rio está com esse problema fiscal. Depois que houve o problema no estado, nossa cadeia de impostos lá subiu cinco pontos porcentuais – e dinheiro que sai do lucro. Se a loja dava 10% de lucro, agora dá 5%.

Uma campanha que teve muita repercussão foi a do “caiu”, que falava de preço, mas foi veiculada durante o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Isso teve resultado prático? O resultado foi sensacional. O primeiro bloco do Jornal da Globo foi inteirinho falando da votação [do impeachment]. No intervalo, o primeiro comercial que entrou foi o nosso.

"O país parou porque os empresários, as pessoas que têm alguma sobra e querem crescer, não sabem o que vai acontecer no mês que vem"

O senhor faria de novo? A mesma coisa.

O senhor não tem medo de envolver política nos seus negócios? Tenho receio, sim. Mas adotamos um discurso de união. Os políticos dividiram o país entre os vermelhos e os verde-amarelos. Nós resolvemos assumir que não éramos nem um nem outro. Fomos para a [avenida] Paulista, distribuímos cartazes na Paulista, em Copacabana. No “caiu”, as pessoas de verde e amarelo e as de vermelho se juntam. Pegamos um tema de muito risco e demos o recado de que o preço da esfiha caiu para 79 centavos, que é um preço absurdamente baixo.

Se ocorrerem novos protestos contra o governo Temer, o senhor vai apoiar? Não. Agora é diferente, é outra situação política. Nessa, vamos ficar quietinhos. Me chamaram para ir à Paulista [nos protestos em favor da Lava Jato e contra Renan Calheiros] discursar. Recebi cinco ligações. Não atendi nenhuma. Por quê? Porque a situação não tem nada a ver com aquela em que nos posicionamos.

Como o senhor avalia o governo Temer? Já dá para sentir algo diferente? Teve uma coisa positiva, que foi a mudança. A saída da situação que estava, né? Não estou falando de pessoas e nem de partidos. Tinha uma situação embaraçada, amarrada, problemática, e houve uma mudança. Eu vejo esse governo extremamente bem-intencionado, colocando a mão onde deveria colocar, como no controle de gastos. Por esse aspecto ele é positivo. Mas, pelos resultados, ainda não veio nada.

O senhor acha que o governo sobrevive? Eu acho que vai depender. Um fator extremamente importante é a delação da Odebrecht. A depender do que vier, a instabilidade pode voltar. A equipe econômica está aí pela competência, qualidade, intenção. Mas essa turma está envolvida em uma situação política. Então, se sobrevive a parte política, sobrevive a parte econômica – e temos um caminho.

O senhor já pensou em ocupar algum cargo público? Nunca. E não pretendo. Tenho 63 anos e estou em um estágio de preparar uma sucessão na minha empresa. Acho que o país tem que ser comandado por um cara de 55 anos, com experiência, ativo, dinâmico, com disposição.

A oposição já protocolou dois pedidos de impeachment do presidente Michel Temer, e pessoas importantes do governo foram citadas em delações na Operação Lava Jato. Caso um pedido de impeachment avance, como o Habib’s se comportará? Neutralidade total. Nós não julgamos se o impeachment era correto ou não, se tinha sustentação ou não. Jamais entraremos nessa discussão. Na campanha do “caiu”, falávamos da situação econômica, do país parado, e da divisão verde-amarelo e vermelho. Não nos compete discutir se deve ou não haver impeachment, assim como não nos competia antes. O que nos interessa é saber se tem esperança.

Foto Ricardo Matsukawa