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Claire Wardle

"Estamos sonambulando em direção a uma crise de informação"

A pesquisadora da Universidade de Harvard lidera o First Draft, projeto de combate à desinformação na internet. A iniciativa atuou para desmentir notícias falsas nas eleições francesas, e vai fazer o mesmo durante o pleito presidencial brasileiro em parceria com 24 organizações de mídia do país – VEJA está entre elas. A coalizão, que se chama Comprova, vai publicar esclarecimentos sobre rumores e conteúdos enganosos partir de agosto.

Por Ione Aguiar

query_builder 29 jun 2018, 15h20

A senhora já declarou que é contra o uso da expressão “fake news”. Por quê?

Há duas razões pelas quais eu rejeito o termo. A primeira é porque ele não descreve o problema. Grande parte desses conteúdos enganosos não tem aparência de notícia. Muitos são peças visuais ou propaganda disfarçada no Facebook. Às vezes se trata de conteúdo genuíno, mas impreciso. Pode ser uma foto de 2014, distribuída como se fosse atual. Então o termo news não ajuda, o termo fake não ajuda. E, em segundo lugar, a expressão tem sido usada como uma arma contra a mídia. Políticos utilizam-na para descrever as informações que não lhes agradam.

Argumento que, pelo fato de esse termo estar sendo usado para minar a imprensa livre, que é tão importante para qualquer democracia, os jornalistas têm de ser mais cuidadosos ao aplicá-lo, porque ele é usado contra eles próprios.

Gosto de falar sobre a ideia de informação poluída. Ela existe de muitas formas e com níveis diferentes de seriedade, mas envolve nosso fluxo de informações sendo poluído com conteúdos falsos, enganosos, danosos, de modo a que não tenhamos à mão informações precisas para tomar decisões.

A senhora acha que o problema da informação poluída aumentou ou apenas se tornou mais visível?

Definitivamente há mais informação poluída agora. Primeiro porque o fácil acesso à tecnologia nos permite manipular conteúdo. Criar um site, editar um vídeo, manipular digitalmente uma imagem são coisas muito simples e baratas de fazer hoje. A outra questão é que temos mecanismos de comunicação – Facebook, Google, WhatsApp – que permitem que a informação se espalhe muito rapidamente. A combinação dessas duas coisas – é fácil e barato criar, e fácil e barato divulgar – intensifica o problema.

Há dados que mostram que as notícias falsas têm maior probabilidade de viralizar nas redes sociais do que as verdadeiras. Por que as pessoas adoram informações enganosas?

Acadêmicos e jornalistas tendem a pensar na relação das pessoas com a informação como algo racional. Não é. É emocional. As pessoas consomem conteúdo enganoso porque ele reforça suas próprias visões de mundo. Faz com que elas se sintam conectadas com outras pessoas. Não importa se é verdade ou mentira. Pensamos que se apenas oferecermos informação de qualidade, vai ficar tudo bem, e nos esquecemos que se trata muito mais de fatores psicológicos e sociais do que de uma demanda racional por precisão.

Então os consumidores têm responsabilidade também.

Hoje todos somos editores. Seu vizinho pode ser tão poderoso quanto um jornalista profissional treinado em ética e direito, mas não tem a compreensão de que todos somos responsáveis pelas informações que compartilhamos.

É um pouco como se pensarmos em poluição... Se eu jogar lixo na rua, vou andar na sujeira. Se temos fluxos de informação poluídos, é porque estamos compartilhando esse tipo de conteúdo. É preciso uma conscientização pública.

Qual foi o ponto de virada que fez o tema da desinformação se tornar tão central?

Quando Duterte foi eleito, nas Filipinas, houve um questionamento sobre a desinformação no Facebook, mas poucos pesquisadores estavam examinando a questão de perto. Então Trump foi eleito e as pessoas passaram a se questionar do porquê de um resultado eleitoral tão surpreendente. Começaram a investigar, e encontraram, por exemplo, sites de notícias enganosas feitas por adolescentes macedônios. Começaram a reconhecer sinais de influência russa nas eleições. A eleição de Trump fez com que as pessoas voltassem os olhos para o peso das redes sociais.

"Se eu jogar lixo na rua, vou andar na sujeira. Se temos fluxos de informação poluídos, é porque estamos compartilhando esse tipo de conteúdo"

A senhora mencionou iniciativas pequenas, como um punhado de adolescentes macedônios, e grandes, como a estratégia russa. Hoje o recurso das fake news está mais para um instrumento de contrainformação internacional ou para uma ferramenta para ganhar dinheiro no fundo do quintal?

Há quatro razões pelas quais se cria esse tipo de conteúdo. A primeira é financeira: as pessoas descobrem que podem fazer dinheiro com isso. Existe também a motivação política. Podem ser atores estrangeiros tentando influenciar politicamente um país ou atores internos. E há o fator psicológico. Algumas dessas pessoas são jovens que trabalham em coletivos, nas redes sociais, em fóruns e grupos de mensagens. Eles atuam juntos em campanhas para tentar distribuir desinformação a fim de causar problemas. Alguns indivíduos realmente só querem causar problemas.

E há a motivação social, quando as pessoas compartilham coisas no Facebook para se conectarem umas com as outras. Pode ser uma questão de identificação religiosa, cultural ou de gênero. Mas eu diria que, de forma crescente, o que vemos são campanhas sofisticadas, ações em rede, de pessoas trabalhando juntas em amplificar artificialmente a circulação de informações falsas. Porque se você tem um rumor que ninguém vê, não é danoso. Mas agora, há iniciativas para direcionar a desinformação muito rapidamente em determinados grupos. Essa é a grande diferença.

Então as notícias falsas estão se tornando cada vez mais uma ferramenta sofisticada de marketing em vez de meras pegadinhas?

É uma mistura dessas duas coisas. Há pessoas ganhando dinheiro com isso, mas essas são mais fáceis de ser paradas, porque basta que o Google e o Facebook façam algumas mudanças. Mas há também grupos tentando conseguir influência política. E há pessoas simplesmente querendo causar problemas. É preciso aqui diferenciar disinformation de misinformation. O primeiro é informação falsa que as pessoas divulgam deliberadamente, com más intenções. O segundo é o que as pessoas repassam sem perceber que é falso. Quando falamos de trolls na Rússia que compartilham informação que eles sabem estar errada, isso é disinformation.

Existe um padrão no modo como informações falsas são produzidas e distribuídas?

A chave é usar conteúdo que gera reações emocionais nas pessoas. Informações falsas amplamente difundidas sobre vacinação trabalham com o medo de que seus filhos vão ficar doentes. Quando observamos a atual discussão sobre crianças sendo separadas dos pais na fronteira dos Estados Unidos com o México, vemos que a desinformação está espalhada desde a esquerda até a direita, porque o aspecto emocional da história –filhos sendo afastados dos pais – independe de em qual espectro político você está. Há um profundo temor envolvido, e o conteúdo poluído que viaja mais rápido é o que mexe com o medo.

O Facebook começou uma iniciativa de checagem de fatos no Brasil que está enfrentando oposição de grupos de direita. Por que parte da direita vê com desconfiança a checagem de fatos?

A ideia de checagem de fatos por alguém que você não necessariamente enxerga como uma das suas fontes confiáveis leva à descrença. Mas acho que o problema com a iniciativa do Facebook é a preocupação de que a rede social, por si própria, esteja decidindo tornar alguns conteúdos menos visíveis. Então, parte dessa desconfiança é direcionada ao poder da plataforma de tomar decisões sobre conteúdo.

Como a senhora avalia as medidas de plataformas como o Google e o Facebook para tentar combater o problema?

A verdade é que eles não previram isso tudo. Eles tinham a crença de que estavam fazendo um mundo melhor ao conectar as pessoas. E não imaginaram que elas poderiam fazer mau uso das plataformas. Se você observar a atividade da IRA, a Agência de Pesquisa em Internet de São Petersburgo, verá que ela simplesmente usou o Facebook como a ferramenta foi desenvolvida. O problema é que as plataformas não se planejaram para lidar com esse tipo de problema, e precisaram de vários meses para conseguir acompanhar com seriedade o que estava acontecendo.

Agora, ambos estão gastando muito dinheiro, há times de pessoas pensando nisso, mas a verdade é que esse é um problema complexo. Mentiras óbvias são simples de detectar, mas imagens enganosas, por exemplo, são muito difíceis para um computador julgar. E o problema é que essas plataformas usam tecnologia para ter grande escala. Esse é um desafio muito difícil para a tecnologia resolver. Então eles estão trabalhando nisso, e pode ser frustrante que não tenhamos visto mais soluções, mas é muito por causa da complexidade do problema, e pelo fato de que os computadores ainda não são inteligentes o suficiente para lidar com o problema por si próprios. Ainda são necessários muitos humanos para fazer esse trabalho. E sem todos esses humanos de que eles precisariam para fazer toda a moderação, seria incrivelmente difícil.

Quem tem mais responsabilidade na circulação de informação deturpada? A plataforma ou seus usuários?

Você pode dizer que o Wordpress é responsável, porque ele permite que uma pessoa crie um site que parece noticioso, mas só tem informações falsas. Pode dizer que é o Photoshop, por tornar a manipulação de imagens fácil e barata. Pode culpar as provedoras de telefonia por facilitarem o uso de mídias sociais, pode culpar as redes sociais por conectarem as pessoas, pode culpar sua mãe por compartilhar fotos sem checar, pode culpar os governos por não criarem regulações e se moverem lentamente, mas a verdade é que todos temos parte nisso. Acho que não estamos fazendo um bom trabalho no sentido de explicar a complexidade do problema e queremos uma solução rápida e fácil, que é botar a culpa no Facebook. Mas não percebemos que estamos sonambulando em direção a uma crise de informação. E ao menos agora estamos tentando lidar com isso, mas não há solução fácil.

A alfabetização midiática é uma forma efetiva de resolver o problema?

Não a parte técnica de como detectar se algo é falso ou verdadeiro, mas a parte emocional. Deveríamos ensinar às pessoas sobre como seus cérebros são preguiçosos e podem nos deixar na mão. Ensiná-las que quando vemos uma imagem que corrobora nossos pontos de vista, tendemos a ser menos críticos. Então acho que, mais que focarmos no treinamento de alfabetização midiática – como checar um título, como checar uma imagem – deveríamos nos conscientizar de que o cérebro não vai funcionar direito quando há uma relação emocional com a informação.

E qual é o ambiente em que essas habilidades deveriam ser ensinadas?

No Brasil, poderia haver uma telenovela com um enredo sobre isso. Deveríamos falar disso em Hollywood, nas escolas, nas casas de repouso, em todo lugar, porque todo mundo é afetado por isso. Voltando àquele ponto de que todos somos responsáveis por quão limpas nossas ruas são, da mesma forma somos responsáveis por quão limpas nossas informações são.

"O Brasil tem um uso altíssimo de WhatsApp, o que significa que as coisas estão se espalhando muito rapidamente em lugares que ninguém mais pode ver"

Uma vez que a mentira já se espalhou, como garantir que o desmentido chegue a quem a leu?

Uma das razões pelas quais essas informações são tão poderosas para se espalharem é que elas circulam em grupos relativamente pequenos, com pessoas em quem confiamos, como familiares e parentes. Então precisamos pensar em quem é influente para que esse alguém possa dividir os desmentidos com familiares e amigos. Mais importante do que os veículos de imprensa divulgarem que uma determinada notícia é falsa, seria ter uma pessoa com a confiança de um grupo disposta a ajudar. Como podemos ser persuasivos e envolver pessoas muito influentes em seus meios? É um desafio enorme.

Algumas pessoas acreditam que a checagem de fatos é uma agenda esquerdista. Como garantir que seja um processo abrangente e isento?

Se você faz checagem de discursos de políticos, tem de garantir que cubra todos os partidos e campanhas. No espaço das mídias sociais, só tendemos a publicar ou desbancar o que se disseminou além de um determinado limiar. Se um conteúdo teve muitas interações, vamos verificá-lo porque sabemos que ele afetou muitas pessoas. Não é um critério de esquerda ou direita, na realidade é um critério que se baseia em quais informações atingiram mais pessoas.

Diz a máxima que que não existe publicidade ruim. A verificação não pode acabar servindo como divulgação para informações deturpadas?

Há muita pesquisa acadêmica que sugere que dar oxigênio a um rumor é danoso. É preciso ter cuidado, porque um rumor sem amplificação não é problemático. Suponha que o presidente Trump faça uma conferência de imprensa e conte dez mentiras. Se nós ficarmos publicando coisas do tipo “estas são as dez mentiras que ele disse hoje”, isso apenas serve para passer as informações enganosas adiante. Então é importante que as redações entendam o poder que têm e entendam que, ao fazer essas verificações, elas na verdade podem estar repassando essas informações.

Quais são os maiores desafios do Brasil em relação à desinformação?

O Brasil é fascinante porque é muito polarizado, e por isso a desinformação está se espalhando tão rapidamente. Quando temos uma sociedade polarizada, as pessoas se conectam por questões emocionais, e se há dois espectros muito distantes, as chances de haver discussões efetivas são menores. Além disso, o Brasil tem um uso altíssimo de WhatsApp, o que significa que as coisas estão se espalhando muito rapidamente em lugares que ninguém mais pode ver, então é praticamente impossível agir contra esses rumores. Isso torna o caso brasileiro preocupante. E porque é uma democracia jovem, é mais vulnerável. É um país fantástico, mas há particularidades que o tornam um caso mais preocupante.

A senhora já afirmou que o WhatsApp está sob pressão no Brasil. Como lidar com a questão da poluição informativa na plataforma?

Jornalistas às vezes pensam que são eles que controlam a informação. Não levamos o WhatsApp a sério o suficiente como um veículo para espalhar informação. Então temos de pensar de forma diferente sobre nossas estratégias. Porque o Facebook e o Twitter têm uma enorme capacidade de broadcast, mas o WhatsApp é muito diferente, são vários grupos pequenos. Precisamos pensar em um processo de dispersão de baixo para cima, achar influenciadores que tenham participação em muitos grupos de WhatsApp por todo o país. Precisamos mapear o país dessa maneira, de forma mais estratégica.

Duterte e Trump são exemplos de candidatos que podem ter se beneficiado com a circulação de notícias falsas na internet. A senhora enxerga algum candidato brasileiro que possa usufruir dessa vantagem?

Tenho uma certa preocupação com a possibilidade de que ocorra influência estrangeira na eleição brasileira. Em última instância, os eleitores vão decidir, mas, pensando em termos de conteúdo, há uma preocupação sobre interferências de grupos externos. O que quer que o Brasil queira fazer, ótimo, mas minha preocupação é que a eleição possa ser influenciada por outros países.

Esses grupos seriam organizados de forma autônoma? Qual é o tamanho deles?

Às vezes é difícil identificar se esses seguidores são humanos ou robôs, mas eles são muito conectados entre si e se utilizam de sites para conversarem sobre táticas: “Vamos criar tal imagem, vamos fazer tal campanha, vamos organizar um mutirão em determinado horário com uma certa hashtag”. É difícil saber o tamanho. Mas a questão nos espaços on-line é que às vezes não importa quão grande você é, porque você pode criar redes falsas de robôs, comprar seguidores falsos. É relativamente simples comprar assinaturas em uma petição. Há muitas técnicas de amplificação artificial bastante sofisticadas. Pode ser até mesmo um grupo bem pequeno, e ter muita influência, se ele souber como manipular as plataformas, e temos visto isso acontecer.

Foto: Heitor Feitosa/VEJA