Reportagem de VEJA desta semana mostrou como, na região norte do Brasil, no estado do Pará, no meio da Floresta Amazônica, dois projetos de mineração chamam atenção nacional e internacional. O S11D, da Vale, maior mineradora do país e a oitava maior do mundo, entrou em operação no fim do ano passado e deve atingir a capacidade máxima de produção de ferro em 2020. O que a consagrará como a principal de seu segmento em todo o mundo. Já o projeto Volta Grande, da empresa canadense Belo Sun, ainda não tem uma máquina sequer ligada para por em pé a estrutura que extrairá ouro da região. Isso pela companhia enfrentar ações na Justiça que suspenderam suas atividades, impedindo o início das obras. As duas minas prometem dar nova -- e melhor -- cara à mineração, que até hoje era conhecida pelas condições horríveis que tinham de ser enfrentadas pelos trabalhadores, no garimpo, e pela destruição ambiental. Contudo, também podem, ao repetir erros do passado, causar impactos sociais e ambientais irreversíveis e injustificáveis. Nos relatos que seguem abaixo, moradores das regiões afetadas pelas duas novas empreitadas contam como essas iniciativas impactaram suas vidas.
A mineradora terá que desmatar 227 hectares de floresta para construir a mina de ouro
Progresso
A mina de ouro
de Belo Sun
O município de Senador José Porfírio, no sudeste paraense, com cerca de 11 000 habitantes, tem a característica de ser “descontinuado”: parte de sua área está acima de Altamira, cidade que recebeu o fluxo migratório com as obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, enquanto outro trecho se localiza abaixo dela. Na porção mais ao sul, comunidades tradicionais ribeirinhas e tribos indígenas da Volta Grande do Xingu, região do rio que terá a vazão de água reduzida em 80% para o abastecimento da hidrelétrica, estão há cinco anos sem saber o que será de suas vidas por consequência da chegada da mina de ouro de Belo Sun à região.
No caso das vilas do Galo, da Ressaca e na Ilha da Fazenda, os moradores vivem na inércia: não podem ir embora, pois ali construíram suas vidas e têm suas casas, pelas quais esperam ser indenizados; mas não podem trabalhar, já que o garimpo, principal economia do local, foi interrompido pela vinda da empresa canadense. O descaso da companhia com a população foi um dos motivos que levaram a Defensoria Pública do Estado do Pará a entrar com uma ação civil contra a Belo Sun, resultando na primeira derrota da canadense na Justiça. Resultado: desde fevereiro, estão suspensas as obras da nova mina de ouro.
Enquanto isso, duas terras indígenas, a Paquiçamba e a Arara da Volta Grande do Xingu, a 13 quilômetros de distância da área onde a mineradora pretende se instalar, também temem a nova estrutura gigante a ser montada na região. Somado aos impactos da hidrelétrica de Belo Monte, não se sabe quais serão os efeitos colaterais da Belo Sun em seus modos de vida tradicionais, que incluem a caça de subsistência e a pesca, por exemplo.
A falta de informações sobre o impacto nos costumes indígenas foi o motivo para a segunda decisão desfavorável à Belo Sun, em abril, vinda do Ministério Público Federal. O órgão exige uma apresentação de dados mais precisos antes que estragos irreversíveis sejam causados. Agora, a Belo Sun precisa entregar soluções tanto para os ribeirinhos quanto para os indígenas. Confira os relatos de quem se viu inserido nessa dura realidade:
Em Vila do Galo
Altivo Pereira
60 anos, garimpeiroNatural de Marabá, a 500 quilômetros de Altamira, chegou à Vila do Galo no início dos anos 2000. Sem ocupação fixa há cinco anos, Pereira se recorda de um passado, de apenas meia década atrás, com saudade. Isso por ter experimentado os benefícios da rotina em uma comunidade rica, enquanto ainda havia ouro para abastecer os moradores.
Ismar Albertan da Silva
48 anos, garimpeiroTrabalhou na Serra Pelada na década de 80 e chegou ao Galo em 1994. Nos tempos áureos, mantinha uma renda mensal de 5 000 a 6 000 reais. A lembrança de Belo Monte é algo que o assusta, pelo barulho e os tremores causados com as explosões. O receio se repete diante da presença de Belo Sun. “A gente não dependia de nada, nem da prefeitura. Se essa empresa canadense nunca tivesse entrado aqui, não teríamos parado, e teríamos nosso sustento. Agora, só quero que a Belo Sun se desenvolva logo, para que as pessoas fiquem bem, com a possibilidade de novos empregos”, disse Albertan.
Na Vila da Ressaca
Maria Luiza Inácio da Silva
61 anos, comercianteDesde os 15 anos de idade morando em Ressaca, chegou lá para vender calcinhas e, aos poucos, aumentou sua loja. Antes, a vila era o centro comercial da Volta Grande do Xingu, onde o garimpo movimentava pequenos comércios, lojas e mercados. Hoje, Maria Luiza diz que “leva um mês para vender uma calcinha”. No auge do ouro, ela cozinhava e lavava para os peões que trabalhavam nas minas. “Quero me libertar desse lugar. A empresa precisa começar para a gente poder ir embora”, afirma. Com uma possível indenização paga pela Belo Sun, em consequência de como transformou e prejudicou sua vida, Maria Luiza quer comprar uma casa em Altamira e sair da Ressaca.
Francisco Pereira da Silva
58 anos, presidente da Associação de MoradoresPara Francisco Pereira da Silva, presidente da Associação de Moradores da Ressaca, a comunidade não é contra o empreendimento da Belo Sun, mas sim contra a violação de direitos dos moradores. Os garimpeiros da região sempre foram taxados de bandidos, o que ele julga como totalmente injusto. Mas, agora, querem provar que merecem ser tratados com o mínimo de dignidade e respeito pela empresa canadense.
Laurindo Antônio Costa
77 anos, barbeiro e comprador de ouro do garimpoOrgulhoso por ter levantado o terceiro barraco da Vila da Ressaca, passou quase três anos no garimpo e trabalhou com confecção e numa lanchonete, antes de abrir o seu salão de barbearia, há 12 anos. Nos últimos cinco anos, com o corte a 15 reais, um bom dia de trabalho é quando ele atende três clientes. Por lidar com comércio, ele também compra ouro dos garimpeiros que encontram resquícios do mineral, no que sobrou das antigas minas da região. No passado, Costa perdeu muito dinheiro comprando ouro na Vila. O episódio mais marcante foi quando adquiriu em torno de 50 gramas e teve prejuízo de 800 reais, ao ser enganado por garimpeiros que vendiam o material cheio de impurezas.
Na Ilha da Fazenda
Otávio Juruna
66 anos, indígena e criador de peixes ornamentais“Estou aqui desde o começo da Ilha da Fazenda e não vou embora. Pretendo continuar até o último segundo que me permitirem”, afirma o indígena, um dos primeiros moradores da região. Na Ilha da Fazenda, porém, a realidade é que 70% dos moradores já se conformaram com a possibilidade de ir para outro lugar. Em torno de 50 famílias vivem ali e a renda deles caiu em 40%; a principal economia da vila é a criação de peixes ornamentais, prejudicada com a alteração no fluxo do rio Xingu, pela instalação da hidrelétrica de Belo Monte.
Terra Indígena Paquiçamba
Marino Félix Juruna
44 anos, indígena e lavradorBelo Monte teve um impacto que ainda não foi superado. Para Marino Juruna, a sensação é a de que “passaram por uma bomba atômica e estão perto de sofrer com os impactos de mais uma, a da Belo Sun”. A vazão do rio foi reduzida, peixes morreram, pessoas desconhecidas das tribos entraram nas terras indígenas e há o medo generalizado pelo histórico da mineradora Samarco, em Mariana (MG), empresa que esteve por trás do o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, a maior tragédia ambiental da história do país (Leia mais). “Estamos no olho do furacão. Mal nos recuperamos de um problema e já vem o outro. Não sabemos quando isso vai parar”, afirmou.
Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu
Leôncio Ferreira Arara
80 anos, indígenaFundador da aldeia e responsável pela demarcação da terra indígena onde a tribo vive hoje, Leôncio Arara ouvia falar de Belo Monte, mas achava que os rumores não passariam de boatos. “O que eu não esperava chegar, chegou. Ouvia dizer, mas não acreditava que poderia acontecer”, disse. Defensor das tradições indígenas e da manutenção de sua cultura, é o único que ainda vive em uma casa com teto de palha, igual à que ele tinha quando cresceu na aldeia. Para Arara, hoje a sua função é contar as histórias de sua família e manter as lembranças vivas na memória de seu povo.
Destruição
A mina de ferro da Vale
Inaugurado em dezembro de 2016, o projeto S11D extrairá 90 milhões de toneladas de minério de ferro, a partir de 2020, tornando-se a maior mina do mundo em seu setor. Com tamanha magnitude, a migração para a cidade de Canaã dos Carajás foi intensa, pela promessa de emprego e nova renda.
Com o fim das construções, a expectativa é que 80% das empresas instaladas na cidade deixem o município até junho deste ano. Os reflexos já são vistos com o aumento de desemprego, e há receios constantes pela perspectiva de maior destruição ambiental na Floresta Nacional de Carajás, onde a mina foi construída.
Em Canaã dos Carajás
Alysson de Sousa Silva
22 anos, técnico em meio ambienteHoje funcionário do ICMBio, Alysson Silva trabalhou para a Vale como mecânico de manutenção no Complexo Carajás, outra mina de extração de ferro da empresa na cidade de Parauapebas, a 70 quilômetros de Canaã dos Carajás. Para Silva, a transição da Vale para o ICMBio foi como “passar do inferno para o céu”. Na função de técnico em meio ambiente, ele acredita em transmitir um senso crítico de preservação ambiental para as pessoas. Em 2012, Silva fundou a Cooperativa de Turismo de Parauapebas e, agora, quer exibir às pessoas como a área da Floresta Nacional de Carajás, onde o S11D opera, é “de propriedade de toda a sociedade, não apenas de uma mineradora”.
William José Ribeiro
33 anos, lavradorUm dos entusiastas da Cooperativa de Turismo em Canaã dos Carajás, também faz parte de uma das famílias do Racha Placa, comunidade de cerca de 300 pessoas, desestruturada pela Vale. A família foi remanejada duas vezes. Na primeira, Ribeiro tinha apenas 1 ano de idade e saíram com a justificativa de estarem na zona de amortecimento da floresta. Na segunda, já na casa dos 20 anos, tiveram que se mudar por causa da S11D. Ele tinha propriedades rurais e vivia da roça. Hoje, pensa em preservar a floresta para que suas filhas, de 1 e 4 anos de idade, vislumbrem um futuro no qual a natureza esteja preservada.
Resaldo Ferreira da Silva
34, auxiliar de pedreiroCasado, e com três filhos, está há três anos desempregado. É mais um entre os cerca de 15 000 desempregados em Canaã, por reflexo do fim das obras da S11D, que chegou a criar 40 000 postos de trabalho no pico da instalação. Seu último emprego foi para a construtora Andrade Gutierrez, na próprio S11D, e diz que “depois daquela bagunça que todo mundo sabe” o contrato foi rompido e não conseguiu mais um trabalho formal. Nesse meio tempo, fez bicos pela cidade. Ele sente que valorizaram mais os trabalhadores que vieram de outras cidades, ao invés de priorizar aqueles que são da região. O bairro onde ele mora, de Parakanã, tem cinco anos e surgiu com a expansão da cidade por conta da nova mina de ferro.