O primeiro sorteio para a compra de ingressos da Olimpíada de 2016, cujos resultados saíram na terça-feira passada, parece anunciar que os Jogos do Rio estão mesmo aí, a pouco mais de um ano de seu início. Começou. É hora, portanto, além de tomar todo o cuidado necessário com a organização da festa, de vislumbrar atletas com chance de ouro, prata ou bronze. O Comitê Olímpico Brasileiro tem uma meta ousada: alcançar a inédita décima posição no quadro de medalhas, o que exigirá do país a conquista de no mínimo dez pódios a mais do que obteve nas duas últimas edições dos Jogos. O esperado são pelo menos 28 medalhas. Como existe pouca margem para avanço nas modalidades coletivas, e sabendo-se que as medalhas no futebol e no vôlei são quase certeza, e já estão na conta, o ganho exponencial deve acontecer em voos individuais. VEJA consultou especialistas no Brasil e no exterior para selecionar os onze atletas das páginas a seguir, jovens entre 15 e 25 anos que reúnem condições ideais para o pódio carioca.
Os irmãos capixabas Yamaguchi e Esquiva Falcão, bronze e prata nos Jogos de Londres, em 2012, repuseram o boxe olímpico brasileiro em patamar alcançado apenas em 1968, com o terceiro lugar de Servílio de Oliveira, pugilista que só não foi campeão mundial porque teve um descolamento de retina e abandonou os ringues. Os Falcão decidiram ganhar dinheiro profissionalmente e não estarão no ano que vem no Rio. As luzes voltam-se para o carioca Patrick Lourenço. Nascido no Vidigal, ele começou a trocar socos incentivado por uma ONG local. “A criança que nasce na favela cresce vendo bandido. Fico feliz em ser uma referência boa para meus amigos”, diz o pugilista da categoria mosca-ligeiro, cujo pai, em trajetória nada surpreendente, foi assassinado numa briga de traficantes quando o atleta tinha apenas 3 anos. Patrick é o segundo colocado no ranking mundial de seu peso. Decidiu não estar nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em julho, para participar de um torneio que assegura vaga olímpica. “É um garoto muito técnico”, diz o cubano Otílio Toledo, diretor da Confederação Brasileira de Boxe. O domínio dos fundamentos e o casamento do jogo de pernas com a distribuição de rápidos socos — os jabs — são fundamentais para o sucesso numa Olimpíada, competição em que não se busca o nocaute, e sim a pontuação por meio de golpes que tocam o corpo do oponente.
“A constituição física desses índios (...) é robusta e sua fisionomia muito mais simpática do que a dos sabujás e dos cariris. São bons remadores e nadadores.” A descrição dos brasileiros encontrados entre 1817 e 1820 no sul da Bahia está na Viagem pelo Brasil, de Carl Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptiste von Spix, naturalistas alemães que vieram descobrir por que nesta terra em se plantando tudo dá. Corte para o século XXI e vamos encontrar Isaquias Queiroz, medalha de ouro na prova de velocidade de 500 metros no campeonato mundial de canoagem de Duisburgo, cidade banhada pelo Ruhr. Ele é o índio brasileiro que mostra aos alemães de hoje o que é ficar de joelhos, enfiar os remos na água e zarpar.
Natural de Ubaitaba, na Bahia, lugar de gente robusta, o menino sem um rim (perdido numa queda da mangueira onde buscava uma cobra) começou a remar no Rio das Contas, onde se descobriram dezenas de outros Isaquias bons de canoa. Mas nenhum foi tão longe quanto o Sem Rim, como o apelidaram jocosamente. A glória não lhe subiu à cabeça, ou quase não subiu. Isaquias, de pele e cabeleira agredidas por água e sol, coleciona cortes de cabelo e cremes hidratantes. “Já fiz até escova progressiva. Tenho de me cuidar, senão a namorada me larga”, brinca. Recentemente, Isaquias fez um corte à Neymar. Em tempo, para não restar dúvida: a palavra Ubaitaba, que dá nome à terra natal de Isaquias, é a fusão de três vocábulos indígenas: ubá, canoa pequena; y, rio; e taba, aldeia.
Todos os mesa-tenistas brasileiros de sucesso têm de se chamar Hugo? Aparentemente, sim. A modalidade virou sinônimo de Hugo Hoyama, dono de quinze medalhas em Jogos Pan-Americanos, sujeito simpático e querido, já aposentado. Agora vem Hugo Calderano, um carioca que mal parece ter entrado na adolescência e faz estragos com a raquete de madeira.
Hugo, o Hugo número 2, começou no pingue-pongue, a brincadeira que muitos insistem em confundir com o esporte olímpico, quando tinha 2 anos. Na infância, o adversário a ser batido era o pai, Marcos. Bolinhas espalhadas pela casa e a rede improvisada na mesa de jantar eram uma cena corriqueira na casa da família. No tênis de mesa propriamente dito, ele estreou aos 8 anos, mas só viria a ficar nacionalmente conhecido aos 15. O motivo? Ter derrotado o Hugo número 1. Desde então, já galgou muitas posições no ranking mundial e, no ano passado, levou o bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim, na China.
Pelo esporte, Calderano se mudou algumas vezes. Em 2011, saiu da casa dos pais para treinar em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, no mesmo clube de quem? Hugo Hoyama. O adolescente arrumou as malas novamente em 2014, dessa vez rumo à Alemanha. Para manter os bons resultados, Hugo tem um ritual: “Sempre escuto The Final Countdown, do grupo Europe, antes da partida, mentalizo as jogadas, a movimentação de pernas e a minha tática”. Tem dado certo.
Natação é tempo — e tempos bons, cada vez mais rápidos, bem ranqueados, são um atalho para medalha olímpica. No ano passado, Matheus Santana só entrou na piscina para sair dela com o primeiro lugar. Bateu três vezes o próprio recorde mundial júnior nos 100 metros nado livre. A marca de 48s25, alcançada nos Jogos Olímpicos da Juventude, na China, foi a quinta melhor também entre os profissionais em 2014. Não tardou para que o comparassem a Cesar Cielo, o atual recordista mundial da prova, com a marca de 46s91, conquistada nos idos dos supermaiôs, hoje vetados.
“Esse apelido de novo Cielo foi legal quando eu tinha 15 anos, hoje está um pouco ultrapassado”, diz Matheus. Ele não esconde a sincera admiração pelo colega, mas avisa: “Cielo não é meu ídolo, é meu adversário. Nós competimos um contra o outro e não dá para ficar só endeusando o supercampeão”. Por não ser assim, ele tratou de derrotar Cielo em abril deste ano na final dos 100 metros do Troféu Maria Lenk, no Rio.
Além do cronômetro, o carioca luta diariamente contra o diabetes. Por causa do descuido com a alimentação, foi cortado do Mundial Júnior de 2013 um dia antes da competição. “Comia muita besteira, e tudo se descontrolou”, lembra. Recuperado, com controle diário de açúcares, leva para as piscinas de Toronto, no Pan-Americano, e sobretudo no Rio, em 2016, a responsabilidade de manter a natação brasileira no topo.
Uma boa maneira de estimar as chances de pódio do paulista Thiago Braz no salto com vara é ver quem o acompanha nas pistas. Seu treinador é o ucraniano Vitaly Petrov, cuja excelência pode ser traduzida pelo nome de dois pupilos vencedores: Sergei Bubka, o Pelé da modalidade, e Yelena Isinbayeva, que dispensa apresentações. Petrov tem em seu rol de glórias duas medalhas de ouro olímpicas (com Sergei e Yelena) e seis em campeonatos mundiais (uma delas com a brasileira Fabiana Murer).
Centímetro a centímetro, conquistados em um centro de treinamento na cidade de Formia, na costa mediterrânea da Itália, onde Petrov ensina, Thiago não para de subir no ranking mundial. Desde 2013 ele é detentor do título sul-americano. Há duas semanas, chegou à sua melhor marca, 5,86 metros — a terceira do mundo em 2015. O recorde mundial no ano, 6,05 metros, é do francês Renaud Lavillenie. São dezenove centímetros que parecem quilômetros, mas a ambição do brasileiro não é bater recordes. Com os 5,86 metros que alcançou, ele estaria a 5 centímetros do pódio nos Jogos de 2012. “As chances do Thiago no Rio são reais”, diz Fabiana, cujo marido e treinador, Elson Miranda, também acompanhava Thiago. Houve desequilíbrio no triângulo quando Petrov levou a promessa para a Itália. Promessa? “Se quando a hora chegar o resultado não acontecer, não serei promessa alguma”, diz Thiago, certo de estar apostando sua curta e vitoriosa trajetória na noite de 15 de agosto de 2016.
Do vento bom, já se sabe. Mas e sobrenome, ganha medalhas? Se for Grael, sim. Torben tem cinco, duas delas de ouro. Lars, duas de bronze. Os sete pódios na vela representam 6,5% do total de premiações da história olímpica brasileira. Dos 23 ouros, Torben tem mais de 8% do total. O sopro agora é de Martine Grael, filha de Torben, destinada a enriquecer a estatística. Associada a Kahena Kunze (cujo pai, Claudio, foi campeão mundial nos anos 70), Martine quer fazer das águas sujas da Baía de Guanabara o cristalino palco da glória na classe 49er FX, estreante em Olimpíada.
A dupla nasceu para vencer. Amigas inseparáveis, Martine e Kahena se conhecem desde os 13 anos e competiram em parceria pela primeira vez há seis. Frequentavam o mesmo curso de engenharia ambiental, hoje trancado. Durante as competições, moram, comem e trabalham juntas. “É um casamento”, ri Kahena. “Passamos tanto tempo lado a lado que tem hora que eu falo: ‘Cara, não aguento mais olhar pra sua cara’.” Como é só brincadeira, e o DNA dinamarquês de uma e o alemão da outra, de linhagens de grandes navegadores, não param de demonstrar eficiência, elas vão que vão. Foram eleitas as melhores esportistas de 2014 pelo Comitê Olímpico Brasileiro e as melhores velejadoras do mundo pela Federação Internacional de Vela. Quando fraquejam, um telefonema, uma mensagem no WhatsApp para os pais, e tudo resolvido. “Eles têm muita experiência e volta e meia falam de algo que vivenciaram”, diz Martine.
É ingrato o ritmo de preparação de um atleta olímpico. Muitas vezes, quando a forma parece ter chegado ao ápice, a competição não chega — e o contrário também é verdade. Solução? Humildade. “Se a Olimpíada fosse amanhã, eu já estaria preparada”, diz Flávia Saraiva, de 15 anos, mero 1,33 metro de altura e lucidez de veterana. Flávia, a da direita na foto ao lado, foi ouro no solo e prata na trave na etapa brasileira da Copa do Mundo de Ginástica Artística, em maio deste ano. Ela divide os holofotes com Rebeca Andrade, um pouquinho mais velha (16 anos) e 19 centímetros mais alta (1,52 metro), prata no salto no Brasil e bronze nas barras assimétricas um mês antes, na Eslovênia.
Quem entende do assunto explica como acompanhá-las em ação. “A Flávia encanta pela parte artística”, diz a coordenadora da seleção feminina, Georgette Vidor. “Os árbitros ficam fascinados e só falta sorrirem para ela.” Com Rebeca, convém outro olhar. “Ela é muito forte e faz elementos altos.” Ambas — uma com graça indescritível e a outra com energia quase incompatível com seu porte — ecoam uma tradição da ginástica feminina, cujo maior símbolo é a romena Nadia Comaneci. O que se vê são bonequinhas e, dada a autorização dos juízes, surgem gigantes com total controle de explosão, velocidade e equilíbrio.
Domingo, 7 de agosto de 2016. Não soa improvável imaginar que a primeira medalha brasileira entre os homens seja do judoca paulistano Charles Chibana. Sexto colocado no ranking mundial da categoria meio-leve, de até 66 quilos, ele é atleta temido e respeitado internacionalmente.
Charles, descendente de japoneses, foi parar no judô quase por obrigação genética, não por genuína vontade. Começou aos 3 anos a trocar de faixa, mas preferia outro esporte. “Todo sábado tinha campeonato de judô, eu era obrigado a ir e não podia jogar futebol”, lembra. A regra era do avô.
Disciplinado, ele impunha aos netos a concentração e o respeito típicos das lutas orientais. “Meu avô me inspira ainda hoje”, diz Charles. “Ele lutava caratê. Nas minhas competições, esteve sempre presente.” Quando os campeonatos ficaram mais expressivos e as viagens mais frequentes, Charles resolveu abraçar o judô definitivamente. Não parou de crescer, incentivado pelos bons resultados da modalidade (o judô brasileiro tem dezenove medalhas olímpicas, ante dezessete da vela; o atletismo tem catorze e a natação, treze).
Recomenda-se seguir Charles desde o início dos combates, sem piscar os olhos. Ele tem um estilo agressivo e gosta de terminar as lutas o mais rapidamente possível, com ippons espetaculares. “Entro para definir logo, é meu jeito”, diz.
O.k., dirão que é conto da carochinha, conversa para boi dormir, fábula, lorota. Mas não é. O arqueiro carioca Marcus Vinícius D’Almeida (cujo sobrenome com apóstrofo lhe confere ar nobre), o mais bem-sucedido atleta brasileiro na modalidade, foi criado num castelo. Ou, a bem da verdade, numa casa que imita o estilo arquitetônico de uma construção medieval. Quem explica é a mãe de Marcus, Denise: “O castelo foi uma brincadeira que fizemos com as crianças quando ainda eram pequenas. A Isabella, irmã do Marcus, era a princesinha, e ele, nosso príncipe”. Começar a manipular arcos e flechas foi etapa posterior, associada ao lugar onde moravam, em Maricá, a 61 quilômetros do Rio de Janeiro.
Ali fica a sede da Confederação Brasileira de Tiro com Arco, e a vizinhança fez Marcus se interessar pelo esporte. Em 2014, ele brilhou. Com 16 anos, classificou-se para a final da Copa do Mundo. Foi o atleta mais jovem da história a realizar tal feito. Conquistou o segundo lugar. Nos Jogos Olímpicos da Juventude, também alcançou uma inédita prata para o Brasil.
O ano de 2015 começou bem. Marcus foi eleito, em fevereiro, o segundo melhor arqueiro do mundo pela federação internacional. Depois decaiu, e não tem tido bons resultados. Um profissional do COB foi designado para acompanhá-lo, porque não é possível que um fenômeno como ele se perca. Instado a definir sua atividade, o arqueiro resume: “É um esporte que exige sangue-frio”. E esse é o trunfo do menino-prodígio que, quando entra em campo, esquece o que ficou de fora: “Sou eu e o alvo, nada mais”. E, lá no castelinho de Maricá, o pano usado no alvo agora faz o papel de cortina colorida na janela do quarto de dormir do Robin Hood brasileiro.
Quem vê a intimidade da ponteira Gabi Guimarães com a bola azul e amarela pensa que ela nasceu dando cortadas. Mas o esporte foi paixão tardia. Antes, a mineira havia tentado a sorte no tênis, futebol e handebol. “Meus pais não colocavam muita fé, porque eu estava sempre migrando de uma modalidade para o outra.” Mas nem quando a relação com vôlei vingou a mãe da jogadora teve sossego. Gabi e o irmão costumavam transformar a sala em quadra, o que significa que, não raro, alguns cristais e lustres de casa amanheciam em pedaços.
Hoje, pode-se dizer que qualquer prejuízo veio por uma boa causa. Logo na estreia como profissional, aos 18 anos, Gabi conquistou o título da Superliga. Na primeira convocação para a seleção, aos 19, faturou o Grand Prix disputado no Japão. Amadurecida, na Superliga deste ano, além de campeã, Gabi foi a maior pontuadora da competição. Mas numa modalidade tão vencedora, ela ainda é iniciante. Nos bastidores da seleção, Gabi é tratada como caloura universitária. “Como trote, ainda tenho que carregar as roupas, puxar o carrinho e o projetor de vídeo.” Mas como boa mineira, aos poucos vai conquistando seu espaço no grupo bicampeão olímpico.