Rúgbi na Olimpíada 2016

A modalidade volta aos Jogos. No feminino traz a força da Nova Zelândia e o sonho das brasileiras

Rugbi feminino

Elas têm a força

Rio-2016 dá novo impulso ao rúgbi feminino, no Brasil e na Nova Zelândia


Por Luiz Felipe Castro

O pequeno e animado público na Arena Barueri parecia não compreender por que as jogadoras vestidas de preto, neozelandesas, não permitiam que as adversárias, brasileiras, ficassem com a bola oval. Em uma perfeita combinação de habilidade e truculência, as gringas passavam a bola (sempre para trás), se livravam das marcadoras e, impiedosamente, partiam rumo a mais um try, o “gol” no rúgbi.

O placar de 41 a 0 em favor da Nova Zelândia sobre o Brasil naquela manhã de domingo ensolarado poderia soar como um vexame histórico – algo como os 7 a 1 do futebol alemão sobre os brasileiros na Copa de 2014. No entanto, a superioridade neozelandesa no rúgbi é natural: a modalidade foi levada pelos britânicos às colônias da Oceania é se tornou uma profunda expressão cultural do país.

Jogadoras neozelandesas participam de clínica com crianças do projeto Alma Rugby, de Paraisópolis (Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

O clichê é inevitável: o rúgbi está para a Nova Zelândia tal qual o futebol para o Brasil – com a diferença de que a camisa preta segue sendo a mais temida no jogo da bola oval. Um dos esportes mais populares do mundo, o rúgbi ganhou ainda mais relevância nos últimos anos por ter retornado ao calendário olímpico.

A categoria sevens (com sete atletas por equipe, em jogos de dois tempos de sete minutos) debutará nos Jogos do Rio de Janeiro, quase um século depois de a versão mais tradicional, com 15 jogadores, ter participado pela última vez na Olimpíada de Paris-1924. O sonho da medalha olímpica proporcionou um ‘boom’ nos investimentos na modalidade na Nova Zelândia e também no Brasil, especialmente entre as mulheres.

Jogadoras neozelandesas participam de clínica com crianças do projeto Alma Rugby, de Paraisópolis (Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

Assim que o Comitê Olímpico Internacional anunciou que o esporte voltaria às Olimpíadas, houve mudanças no esporte feminino. Honey Hireme, de 35 anos, traços aborígenes acentuados, conta que a Nova Zelândia quer fazer da equipe um símbolo do “poder feminino” no país. “Hoje é normal ver uma menina em uma escolinha. O esporte mostra que podem acreditar em si mesmas.

O cenário de desenvolvimento é semelhante na seleção brasileira. Beatriz “Baby” Futuro, a atleta mais experiente das “Tupis”, apelido da equipe nacional, relembra as dificuldades até chegar a este momento. “A Olimpíada mudou tudo. Antes pagávamos para jogar”, conta a bem-humorada carioca de 30 anos, formada em Belas Artes.

Já houve preconceito, alguns pais não queriam ver as filhas no rúgbi. Mas agora o esporte está mais valorizado. Antes jogávamos só por amor, não recebíamos dinheiro"

conta Stacey Waaka, de 20 anos

A federação brasileira ainda importou a expertise dos mestres para desenvolver o esporte no país. Desde 2013, o técnico da seleção feminina é o ex-jogador neozelandês Chris Neill e os primeiros resultados já apareceram: as Tupis conquistaram o bronze no Pan de Toronto, em 2015, desbancando a Argentina (país mais tradicional no rúgbi) e terminou em oitavo na etapa de São Paulo da Série Mundial, que teve a Austrália como campeã, no final de fevereiro.

Entre as brasileiras, está uma jovem franzina, com ar de debutante, Bianca Santos, de 17 anos. Cabelos longos e cacheados, estreou na equipe no final de 2015 e briga por uma vaga na Olimpíada. “Conheci o rúgbi aos 10 anos. Experimentei e gostei”, conta a paulistana, de sorriso ornado por aparelhos nos dentes, revelada na equipe Rúgbi Para Todos, projeto social da favela Paraisópolis.

A seleção sabe que ainda tem muito o que aprender. Pouco depois da derrota por 41 a 0, a capitã brasileira Paula Ishibashi admitiu que não há como acompanhar as neozelandesas. “Estão muito à frente, é algo enraizado. A habilidade delas é natural.”

Jogadoras neozelandesas participam de clínica com crianças do projeto Alma Rugby, de Paraisópolis (Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

Apesar da tradição, as atletas neozelandesas não são celebridades. Simpáticas, elas não estão acostumadas a dar entrevistas. Nem mesmo Portia Woodman, a melhor do mundo, costuma estrelar programas de TV. Mas acreditam que a Olimpíada pode mudar este cenário.

Elas já receberam a garantia de que o investimento na equipe feminina será mantido após os Jogos. No Brasil, o futuro é incerto. “Este projeto vai até setembro. Depois tudo vai depender de resultados e patrocínios”, conta Raquel Kocchann, de 23 anos.

Galeria de fotos

O jogo

Nova Zelândia venceu o Brasil por 41 a 0 pela Série Mundial de Sevens na Arena Barueri

(Foto: Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

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Vaidades

O charme entre ‘tackles’ e trombadas

Truculência natural do jogo se mistura com a vaidade feminina

Não há como negar: o rúgbi é um esporte bruto. Durante as partidas em Barueri, a pequena torcida celebrou cada tackle – bloqueio de um ataque agarrando o adversário –, como um gol, para em seguida demonstrar certa compaixão das atletas atingidas.

No rúgbi, não há capacetes como no futebol americano, apenas uma espécie de protetor de orelha e que poucas atletas usam. A maioria recorre apenas ao protetor bucal. E apesar das trombadas, as jogadoras negam que seja violento e perigoso

A Olimpíada mudou tudo. Antes era na base do ‘paitrocínio’ mesmo, a gente curtia e tinha que pagar pra jogar. Havia poucos times, era bem elitista, tinha que ter grana. Hoje em dia tem time de rúgbi em todos os lugares"

Baby Futuro

(Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

Raquel Kocchann conta que seus pais tentaram convencê-la a ficar apenas no futebol de salão.“Meu pai viu um jogo de rúgbi de 15 na TV e achou muito violento. Mas depois que assistiu a um jogo meu, viu como é o clima dos jogos, se apaixonou e disse que gostaria de ter jogado.”

Os olhares sérios e os gritos durante o jogo dão lugar a sorrisos e abraços amorosos ao apito final. As jogadoras citam as companheiras como “família” e o clima de camaradagem se estende até às adversárias.

(Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

E a vaidade jamais é deixada de lado: não faltam penteados trabalhados em cortes e cores, protetores bucais coloridos, unhas pintadas com as cores da bandeira e calções estilosos com design para ressaltar pernas torneadas.

Personagens

Abre aspas

Vida, carreira e sonhos das novas estrelas do rúgbi

Eu me encantei pelo esporte numa época em que havia poucos times, era bem elitista, tinha de ter dinheiro. Hoje tem time de rúgbi em todos os lugares"

Baby Futuro

As pessoas sempre confundem rúgbi com futebol americano, mas nunca sofri preconceito. Penso em estudar, mas agora consigo viver do rúgbi e pretendo seguir na seleção brasileira."

Bianca Santos

O rúgbi dá confiança. Apesar de ser um esporte agressivo às vezes, ensina as crianças a não terem medo e seguir em frente. As meninas aprendem que podem acreditar em si mesmas"

Honey Hireme

Graças ao projeto olímpico, consigo viver só do rúgbi. Moro com sete meninas , treino todo dia e ainda dou aula para o time da USP."

Raquel Kocchann

Acabei de fazer 20 anos e nunca pensei em fazer parte de uma Olimpíada. Meu irmão mais velho joga pela equipe masculina e também tem a chance de ir para o Rio, será um sonho para toda a nossa família.”

Stacey Waaka
Melhor do mundo

O fenômeno Portia Woodman

Neozelandesa de 24 anos só começou a jogar rúgbi em 2012

Olhar amigável, mas um tanto desconfiado, Portia Woodman ainda não se acostumou em ser a maior estrela do rúgbi mundial para mulheres. “Achei que fosse escapar”, brinca a atleta de 24 anos, a última das neozelandesas a conceder entrevista, já dentro da van que levaria a equipe ao hotel.

É impressionante pensar que a atleta eleita a melhor jogadora do mundo em 2015 sequer praticava o esporte antes de ter início o programa olímpico na Nova Zelândia, em 2012. Até os 20 anos, Portia era atleta de netball, uma estranha modalidade semelhante ao basquete e popular entre as mulheres na Oceania.

Portia Woodman (Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

E como se tornou a melhor do mundo em tão pouco tempo? Portia sorri e mantém o tom discreto. “É porque tenho um time incrível. Minhas amigas só roubam a bola e passam para eu correr e marcar os pontos”, brinca.

A jogadora capaz de escapar das mais fortes defesas com ginga e potência conta que dá mais entrevistas durante os torneios fora da Nova Zelândia e que ainda não se acostumou com a fama internacional.

“Todo mundo sonha em disputar uma Olimpíada. Quando eu tinha sete anos, assistia aos Jogos e queria ser uma corredora. Não tinha velocidade para isso, mas agora o sonho se tornou realidade em outro esporte”, conta Portia, de uma família tradicional do rúgbi – seu pai, seu tio e sua tia vestiram a camisa preta da seleção.

Portia acredita que o Brasil pode, sim, se tornar uma potência. “O rúgbi é muito novo no Brasil. Na Nova Zelândia, mesmo quem não joga, está cercado por este ambiente. Quando o Brasil introduzir essa cultura nos jovens, será um time competitivo.”

Créditos

Edição - Silvio Nascimento
Reportagem - Luiz Felipe Castro
Fotografia - Ricardo Matsukawa
Design e Desenvolvimento - Alexandre Hoshino e Sidclei Sobral

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