MUITO ALÉM
DO OLÍMPO

Michael Phelps, o maior medalhista de todos os tempos, tem boas chances de ouro em duas provas. Tanto faz vencê-las ou não. Estar no Rio já é uma homenagem a sua própria história
Fabio Altman

Phelps, depois da reabilitação por alcoolismo: “Eu me via como o atleta que era, mas não como ser humano” (Benjamin Rasmussem/THE NEW YORK TIMES)

Michael Phelps dispensa apresentações, mas é sempre bom lembrar as vitórias que o transformaram numa lenda: são 22 medalhas olímpicas, dezoito delas de ouro. Ninguém foi tão longe. O americano, que na infância recebeu o diagnóstico de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), sempre esteve mais à vontade debaixo da água, na piscina. Fora dela, especialmente depois que começou a vencer, mal sabia como lidar com as evidentes dificuldades de relacionamento com outros seres humanos diferentes dele, o que incluía praticamente toda a humanidade. Para compreendê­-lo e aceitá-lo, nos longos silêncios e diatribes, somente a mãe e o treinador, Bob Bowman, que fazia as vezes do pai, que se afastara da família quando o campeão tinha apenas 9 anos.

A carreira de Phelps desenhou um belo arco, intercalado por confusões. Na Olimpíada de Sydney, em 2000, era um prodígio de 15 anos que nada venceu. Em 2004, em Atenas, foi brilhante, mas imperfeito — conseguiu seis ouros, mas não os sete de Mark Spitz, o eterno bigodudo de 1972. Quatro anos depois, em Pequim, brotou o gigante, com oito primeiros lugares, imbatível. Em Londres, 2012, foram quatro vitórias. Pouco, muito pouco para Phelps. No Rio, sua quinta Olimpíada, ele desembarca quase como uma homenagem a sua própria história.

Com a mulher e o filho recém-nascido (hoje com 3 meses): um cara interessante (Benjamin Rasmussem/THE NEW YORK TIMES)

Disputará três provas, além dos revezamentos. É o favorito para levar o ouro em duas, os 100 metros borboleta e os 200 metros medley. Nem se trata de dizer que essas duas vitórias o farão ainda maior, porque Phelps é monumental. Para voltar a ser competitivo aos 31 anos, ele teve de fazer magistrais mudanças de treinamento: os 80 000 metros semanais, dois treinos ao dia, sete dias por semana, caíram à metade. O bonito será o reencontro consigo mesmo de alguém que tinha sido devorado pelos demônios da solidão. Em 2014, Phelps foi preso por dirigir bêbado, cruzando a pista em zigue-zague. Depois da temporada de reabilitação, admitiu: “Descobri muitas coisas sobre mim que eu provavelmente sabia, mas não queria perceber. Uma delas foi que, durante muito tempo, eu me via como o atleta que era, mas não como um ser humano”. Agora, é um adulto, casado, pai de um bebê de 3 meses. Quem o acompanha no cotidiano assegura que ele não é mais o sujeito com olhar esmaecido, sem graça, monossilábico. Phelps é hoje um cara muito mais interessante.

Reportagem: Fabio Altman
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