"Estou exausto, mas o sucesso é glorioso.”
Neste mês de novembro, completam-se 100 anos de um raro momento de realização vivido por Albert Einstein (1879-1955). Em 25 de novembro de 1915, ele subiu ao palco da Academia de Ciências da Prússia e declarou ter concluído sua exaustiva incursão de uma década em busca de um entendimento novo e mais profundo da gravidade. A Teoria da Relatividade Geral, afirmou Einstein, estava pronta.
O mês que antecedeu essa proclamação histórica fora o mais intenso, do ponto de vista intelectual, e o mais repleto de ansiedade de toda a sua vida. A culminação foi o anúncio da nova e radical visão einsteiniana das interações entre o espaço, o tempo, a matéria, a energia e a gravidade, feito reconhecido como uma das maiores conquistas intelectuais da humanidade.
Naquela época, a excitação produzida pela Relatividade Geral só repercutia no seio de um grupo de pensadores da física esotérica. Mas, nos 100 anos que se seguiram, a teoria de Einstein tornou-se o arcabouço que deu sentido a uma ampla gama de questões essenciais, como a origem do universo, a estrutura dos buracos negros e a unificação das forças da natureza. E possibilitou a realização de avanços concretos, como a busca por planetas extrassolares, a determinação da massa de galáxias distantes e até mesmo o desenvolvimento de sistemas de GPS de automóveis e mísseis balísticos. O que era visto como uma descrição exótica da gravidade se tornou um instrumento essencial da ciência.
Os esforços no sentido de compreender a gravidade tiveram início muito antes de Einstein. Em meio à peste que se abateu sobre a Europa em 1665 e 1666, Isaac Newton deixou seu posto na Universidade de Cambridge, refugiou-se na casa da família em Lincolnshire e, nas horas de descanso, concebeu a ideia de que todos os objetos, tanto no céu como na terra, exercem uma força de atração sobre todos os demais objetos, cuja intensidade depende apenas de seu tamanho — sua massa — e da distância que os separa. Estudantes de nível colegial do mundo inteiro conhecem a versão matemática da lei de Newton, que possibilitou a realização de medições incrivelmente precisas dos movimentos de todas as coisas, desde o de uma pedra arremessada até o de planetas que giram em suas órbitas. Parecia que Newton havia dado a palavra final a respeito da gravidade. Não foi assim.
Em 1905 Einstein descobriu a Teoria da Relatividade Especial, que enunciava a famosa lei segundo a qual nada pode se mover com velocidade superior à da luz. E aí está a questão. Segundo a lei de Newton, se você sacudir o Sol como uma maraca cósmica, a gravidade fará com que a Terra comece a sacudir-se também, imediatamente. Ou seja, a fórmula de Newton implica que a gravidade exerce influência de um lugar ao outro instantaneamente. Não apenas mais depressa do que a luz, mas com velocidade infinita.
Einstein não estava de acordo com isso. Para ele, certamente existiria uma descrição mais sofisticada da gravidade na qual essa influência não se propagasse com velocidade superior à da luz. Ele se dedicou a descobri-la. E percebeu que, para isso, precisaria responder a uma pergunta aparentemente fundamental: como funciona a gravidade? Em outras palavras: como o Sol exerce atração gravitacional sobre a Terra estando a 150 milhões de quilômetros de distância? Para as interações da experiência cotidiana — abrir uma porta, sacar a rolha de uma garrafa —, o mecanismo é manifesto: há contato direto entre a mão e o objeto que se puxa. Só que a atração do Sol sobre a Terra ocorre através do espaço. Não há contato direto. Qual será, então, a mão invisível que executa a ação?
O próprio Newton percebeu a importância dessa pergunta e admitiu que o fato de não poder determinar como a gravidade exerce influência significava que sua teoria, embora capaz de fazer previsões corretas, era incompleta. Contudo, essa constatação permaneceu por mais de 200 anos apenas como uma obscura nota de rodapé.
Em 1907, Einstein começou a trabalhar com afinco na resolução desse problema. Em 1912, estava obcecado. Nesse meio-tempo, ocorreu-lhe um crucial achado intelectual, fácil de pôr em palavras, mas difícil de compreender em profundidade: se não existe nada além de espaço vazio entre o Sol e a Terra, então a mútua atração gravitacional deve ser exercida pelo próprio espaço. Mas como? A resposta de Einstein, bela e misteriosa, diz que a matéria, como o Sol e a Terra, faz com que o espaço à volta se dobre, e essa forma curvada influencia o movimento dos corpos que atravessam o espaço.
Vejamos uma maneira de pensar sobre isso. Imagine a trajetória reta de uma pequena bola que se faz rolar pelo chão da sala. Agora vislumbre que o chão ficou empenado em consequência de uma inundação. A bola não seguirá a mesma trajetória reta porque será desviada para um lado e para o outro pelos contornos recurvados da madeira. O que acontece com o chão ocorre também com o espaço. Einstein imaginou que os contornos curvos do espaço produziriam o mesmo efeito que marca a trajetória de uma bola de futebol na cobrança de um tiro de meta, dando a ela a familiar trajetória parabólica, assim como fariam com que a Terra seguisse a sua órbita elíptica em torno do Sol.
Foi um salto espetacular. Até então, o espaço era um conceito abstrato, um vazio cósmico, não uma entidade tangível. Na verdade, o salto foi ainda mais magnífico. Einstein percebeu que também o tempo podia encurvar-se. Intuitivamente, todos nós imaginamos que os relógios marcam o tempo do mesmo modo, independentemente de onde estejam. Mas Einstein propôs que quanto mais perto os relógios estejam de um corpo de grande massa, como a Terra, tanto mais devagar o tempo passará para eles. O que reflete uma insuspeitada influência da gravidade sobre a passagem do tempo. Assim como a curvatura do espaço pode modificar o movimento espacial de um objeto, o mesmo ocorre com a sua trajetória no tempo. A matemática de Einstein sugeria que os objetos são atraídos para os lugares onde o tempo passa mais devagar.
Entretanto, a reformulação radical do conceito de gravidade não bastou para que ele se sentisse vitorioso. Era preciso ainda desenvolver suas ideias no contexto de um modelo matemático capaz de fazer previsões e de descrever com precisão a coreografia da dança entre o espaço, o tempo e a matéria.
Até para Einstein esse foi um desafio monumental. Em 1912, enquanto lutava para elaborar suas equações, escreveu a um amigo: “Nunca na minha vida enfrentei um tormento tão grande”. Um ano depois, quando trabalhava em Zurique com seu colega Marcel Grossmann, mais afinado com a matemática, Einstein ficou torturantemente próximo à resposta. Trabalhando com dados obtidos em meados do século XIX, que ofereciam a linguagem geométrica adequada para descrever as formas curvas, elaborou uma formulação inteiramente nova e totalmente rigorosa da gravidade em termos da geometria do espaço e do tempo.
Mas a bela estrutura não se sustentava. Ao pesquisar sobre suas equações, Einstein cometeu um erro técnico fatal que o levou a pensar que sua proposta não descrevia corretamente todos os tipos de movimento. Durante dois longos anos de frustração, tentou desesperadamente resolver o problema, mas nada parecia funcionar.
Einstein permaneceu inabalável e, no outono de 1915, finalmente descobriu a maneira de prosseguir. Na época ele era catedrático em Berlim e havia sido eleito membro da Academia de Ciências da Prússia. Apesar de tudo, tinha tempo. Sua mulher, Mileva Maric, de quem se separara, havia aceitado que a vida de casal tinha terminado e voltara para Zurique com os dois filhos. Embora a tensão familiar continuasse, o acerto com Mileva lhe permitia dedicar tempo aos trabalhos matemáticos, dia e noite, sem interrupções, na quietude solitária de seu apartamento.
Em novembro, essa liberdade deu frutos. Einstein corrigiu o erro anterior e dedicou-se ao esforço final para chegar à Teoria da Relatividade Geral. No entanto, enquanto trabalhava intensamente, as condições se tornaram ameaçadoras. Meses antes, encontrara-se com o famoso matemático alemão David Hilbert e compartilhara com ele todas as suas ideias. Mas Einstein notou, com desencanto, que a conversa despertara de tal modo o interesse de Hilbert que passara a haver entre eles uma competição para ver quem seria o primeiro a cruzar a linha de chegada. Além disso, percebeu com ansiedade que o grande conhecimento matemático do rival era uma ameaça séria. Apesar de todos os anos de trabalho duro, Einstein poderia levar a pior.
A teoria era bem construída. No sábado 13 de novembro, Einstein recebeu um convite de Hilbert para que ambos fossem juntos a Göttingen na terça-feira seguinte para aprender “até os mínimos detalhes” a “solução para o grande problema”. Einstein não aceitou: “Estou muito cansado e com fortes dores de estômago”.
Na quinta-feira, porém, quando Einstein abriu o correio, viu o manuscrito de Hilbert e reagiu imediatamente: “O sistema que você produziu concorda exatamente com o que elaborei nas últimas semanas e já apresentei à Academia”. Uma semana depois, em 25 de novembro, em uma conferência perante a atenta Academia da Prússia, Einstein revelou as equações finais da Teoria da Relatividade Geral. Ele teria chegado sozinho às equações definitivas ou o trabalho de Hilbert propiciou-lhe uma ajuda? As notas de Hilbert continham as fórmulas corretas ou foi só depois de conhecer as conclusões de Einstein que ele as acrescentou ao documento que publicou meses depois? No fim, Hilbert reconheceu que, independentemente do papel que possa ter tido como catalisador das equações finais, a Teoria da Relatividade Geral deveria, com justiça, ser atribuída a Einstein. E assim foi.
Só que a atribuição da autoria só teria valor se a teoria fosse confirmada por meio de observações. E é notável que o próprio Einstein antecipasse como isso poderia ser feito.
A Relatividade Geral previu que os raios de luz emitidos por estrelas distantes viajariam por trajetórias curvas ao passar pelas proximidades do Sol. Einstein empregou as novas equações para tornar preciso o experimento e calculou a forma matemática do encurvamento do espaço e, consequentemente, da trajetória curva do raio de luz. Para testarem a previsão, os astrônomos precisariam ver as estrelas distantes tendo o Sol em primeiro plano, e isso só seria possível quando a Lua encobrisse a estrela em um eclipse total.
O eclipse solar que se seguiria, em 29 de maio de 1919, seria, portanto, o campo de provas da Relatividade Geral. Equipes de astrônomos britânicos se dirigiram a dois locais em que o eclipse do Sol seria total — Sobral, no Ceará, e a Ilha de Príncipe, próxima à costa ocidental da África. Lutando contra as impertinências do tempo, cada equipe fotografou estrelas distantes, momentaneamente visíveis quando a Lua passou sobre o Sol. Durante os meses seguintes, enquanto se faziam cuidadosas análises das imagens, Einstein esperava pelos resultados. Por fim, em 22 de setembro de 1919, ele recebeu um telegrama que anunciava a confirmação das suas previsões.
No mundo inteiro os jornais proclamavam o triunfo de Einstein, transformado, da noite para o dia, em sensação global. Em meio às comemorações, uma jovem estudante, Ilse Rosenthal-Schneider, perguntou a Einstein o que ele teria pensado se as observações não confirmassem a Teoria da Relatividade Geral. Ao que ele respondeu com uma inesquecível bravata: “Teria compaixão pelo Senhor, porque a teoria está certa”.
Nas décadas seguintes foram feitas inumeráveis observações e experimentos — alguns ainda em curso — que trouxeram um grau máximo de confiança à Relatividade Geral. Um dos mais impressionantes é um teste observacional que durou quase cinquenta anos, um dos mais longos já efetuados pela Nasa, a agência espacial americana. A teoria de Einstein afirma que, quando um corpo como a Terra gira em torno de seu eixo, ele arrasta o espaço à volta em um redemoinho semelhante a uma pedrinha que gira em um copo cheio de melado. No início da década de 60, físicos de Stanford criaram um experimento para comprovar a previsão — o lançamento de quatro giroscópios ultraprecisos que giraram em órbita próxima à Terra — e observaram as mudanças mínimas na orientação dos eixos dos próprios giroscópios que, segundo a teoria, deveriam ser provocadas pelo redemoinho do espaço. Em 2011, a equipe da Nasa anunciou que o trabalho de cinquenta anos chegara a um resultado conclusivo: os giroscópios se comportaram de acordo com a medida prevista por Einstein.
O êxito das comprovações é estimulante, não porque ainda exista alguém que duvide da Relatividade Geral, mas porque a ratificação por observações práticas pode conduzir a aplicações novas e produtivas. As medições do eclipse de 1919, por exemplo, que certificaram que a gravidade enverga a trajetória dos raios de luz, levaram à criação de uma técnica bem-sucedida que hoje é usada para identificar planetas extrassolares. Quando esses planetas passam em frente de sua estrela-mãe, afetam ligeiramente a luz emitida pela estrela, gerando um padrão de aumento e diminuição de intensidade que os astrônomos podem detectar. Outro exemplo de aplicação, este mais familiar, é o sistema de posicionamento global, o GPS, que existe em consequência da descoberta de Einstein de que a gravidade afeta a passagem do tempo. O GPS determina localizações medindo o tempo de viagem dos sinais recebidos de vários satélites. Se não levasse em conta o impacto da gravidade sobre a passagem do tempo nos satélites, o sistema não poderia determinar corretamente onde está um objeto, seja ele o seu carro ou um míssil intercontinental.
Os físicos ainda creem que a detecção de ondas gravitacionais, provável consequência da teoria de Einstein, terá o poder de gerar uma nova aplicação de grande importância: o surgimento de um campo de ação para a astronomia observacional. Desde o tempo de Galileu, olhamos o céu com telescópios para captar ondas de luz emitidas por corpos celestes. A próxima fase da astronomia pode centrar-se na captação de ondas gravitacionais produzidas por acidentes cósmicos distantes, o que nos permitirá examinar o universo de maneira totalmente inédita. Isso é particularmente interessante porque as ondas de luz não podiam penetrar no plasma que ocupava todo o espaço nas primeiras centenas de milhares de anos que se seguiram ao Big Bang, ao contrário do que sucedia com as ondas gravitacionais. Um dia, portanto, poderemos usar a gravidade, e não a luz, como guia para sondar os primeiros momentos do universo.
Como ondas gravitacionais se movem pelo espaço de maneira similar à das ondas sonoras pelo ar terrestre, os cientistas falam em “ouvir” os sinais gravitacionais. Adotando essa metáfora, podemos imaginar com prazer que o segundo centenário da Relatividade Geral deve permitir aos físicos celebrá-lo escutando os sons da criação.