Todo último ano de uma legislatura, como foi 2014, é, por natureza, especial. Para dizer o mínimo, ele encerra um período de expectativas depositadas nos parlamentares juntamente com o voto de cada eleitor. A divulgação, pela quarta vez consecutiva, do Ranking do Progresso — avaliação anual objetiva do desempenho de senadores e deputados feita por VEJA em parceria com o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj) — permite refletir não apenas sobre a etapa derradeira de mandatos iniciados em 2011, ano em que se fez o primeiro levantamento, como também convida a um balanço do país espelhado por seu Parlamento.
Antes de tudo, é fundamental recordar aqui alguns pontos sobre os parâmetros conceituais do ranking VEJA — que, aliás, é pioneiro no Brasil. Pelo mundo afora, os vários indicadores que mapeiam as ações dos parlamentares têm o objetivo de definir o posicionamento dos congressistas em relação a temas-chave do cotidiano da sociedade. A relevância disso é cristalina: de posse desses dados, é possível analisar comparativamente a atividade de deputados e senadores, desenvolvendo e testando hipóteses explicativas, e preditivas, sobre o comportamento coletivo do Legislativo; ao mesmo tempo, eles possibilitam aos eleitores avaliar em que medida os parlamentares se aproximam — ou se afastam, evidentemente — dos seus pontos de vista. No caso do ranking da revista, são levadas em conta propostas de ajuste na legislação capazes de contribuir para um país mais moderno e competitivo, segundo a perspectiva de VEJA e da Editora Abril (veja o quadro ao lado, com os nove eixos considerados fundamentais para isso). O Necon desenvolveu uma metodologia que observa todas as etapas de uma proposição, de sua origem à votação final, com peso específico em cada uma das fases.
Esclarecidas as diretrizes que norteiam o ranking, pode-se passar à análise dos resultados — para além da frieza dos números.
Nos anos anteriores, enfatizamos a contribuição que o Parlamento brasileiro tem dado à discussão de projetos que visam a aperfeiçoar o status quo legal do país. Destacamos, em 2011, 2012 e 2013, a presença de uma resistência oposicionista de qualidade. Com isso, caiu por terra a ideia de uma oposição atordoada após sucessivas derrotas no pleito presidencial, reduzida à tarefa de reverberar o trabalho investigativo da imprensa e desprovida de uma agenda consistente de políticas públicas a ser apresentada à população. No contrafluxo dessa visão, registramos que os parlamentares que sobressaíram na Câmara dos Deputados como defensores de propostas condizentes com o aumento da competitividade e modernização da economia brasileira, de novo, segundo os parâmetros de VEJA e da Editora Abril, eram basicamente políticos eleitos por partidos de oposição (em especial PSDB e PPS, e alguns do novo PSD, egressos do DEM).
Pois bem: é outro o cenário apresentado pela sessão legislativa de 2014. Neste ano, temos maior equilíbrio entre parlamentares do governo e da oposição na Câmara Federal. Entre os vinte mais bem colocados, sete integram os quadros da dupla PSDB/DEM, o mesmo número do par PT/PMDB (os seis deputados restantes pertencem a PPS, PTB, SD, PSOL e PMN). O que explicaria tal mudança? É impossível não considerar como determinante do ranking de 2014 o fator “calendário eleitoral”. Tivemos um longo e árduo ano de campanhas para os pleitos presidencial e legislativo — contaminadas, mais uma vez, por uma sucessão de escândalos que envolveram a classe política e alguns candidatos-protagonistas. Senadores e deputados passaram boa parte de 2014 empenhados em levar aos seus eleitores o resultado do trabalho desenvolvido a partir de 2011. Além disso, muitos congressistas se lançaram na disputa para os executivos federal e estaduais. Isso trouxe pelo menos duas consequências: a) um número pequeno de deliberações no Congresso, se considerarmos como base o período 2011-2013; b) pouco trabalho feito por parlamentares que, em outro momento, teriam maior atuação nos processos decisórios do Legislativo.
O número relativamente baixo de deliberações teve relevância para o cálculo do Ranking do Progresso porque, diante da escassez legislativa, aumentou o peso de pequenas ações ou decisões tomadas por senadores e deputados. Um simples discurso ou uma votação em plenário podem ter sido decisivos na definição do lugar de um congressista no ranking VEJA. Isso não teria tanto impacto se, no conjunto, houvesse um número muito maior de matérias votadas ou discursos pronunciados. Já a segunda consequência decorrente de 2014 ter sido um ano eleitoral é de difícil verificação. Na verdade, ela é até, de certa maneira, desmentida pelo fato de os dois primeiros colocados no Senado terem se candidatado ao governo de seus respectivos estados. Seja como for, é razoável supor que as disputas estaduais e as esperanças de vitória possam ter contribuído para um maior ou menor empenho nas atividades legislativas. Não se deve imaginar, no entanto, que só a ausência nas sessões do Senado e da Câmara dos Deputados explicaria a má colocação de um parlamentar no Ranking do Progresso. Estar em plenário e votar mal, vale dizer, na contramão daquilo que a revista e a Editora Abril consideram decisivo para a modernização do Brasil, conta, e muito, para que o senador ou deputado em questão desabe no ranking.
Outro aspecto a ser ressaltado são as diferenças de desempenho entre as duas Casas do Congresso. Nas sessões legislativas de 2011 a 2013 tínhamos observado que o Senado não era exatamente a sede mais efetiva da oposição. Em 2014, esse traço se aprofundou: o número de congressistas oposicionistas caiu drasticamente entre os de maior destaque na chamada Câmara Alta. Não temos explicação para isso; o fato é que os deputados de oposição continuaram oferecendo contribuição mais substantiva em proposições que levam o país para a frente do que seus colegas do Senado. Na próxima legislatura, a Câmara terá reforçado o seu caráter mais conservador. Para onde isso a levará começaremos a saber em 2015.
Um terceiro resultado digno de nota diz respeito à confirmação do que vimos nas edições passadas quanto ao perfil daqueles que acabaram recebendo boa pontuação. Com as exceções de praxe, trata-se de um conjunto de parlamentares com alguma experiência na vida política e, em especial, parlamentar. Isso prova que a política brasileira é uma atividade profissionalizada, que exige dedicação integral e boa assessoria.
Por último, mas não menos importante, vale frisar o que verificamos desde o início da publicação do Ranking do Progresso: não temos um Legislativo ocupado única e exclusivamente por maximizadores do bem próprio. A agenda em torno da qual foi montado o Ranking VEJA se compõe essencialmente de projetos enviados pelo Executivo, de impactos significativos a curto e longo prazo. As intervenções e modificações introduzidas pelos parlamentares, e que serviram de medida para a montagem de nossa lista, acabaram moldando o resultado final de várias dessas políticas. Portanto, também não é verdadeira a tese segundo a qual o Congresso brasileiro pouco quer saber do Brasil. Trata-se de uma instituição na qual o destino do país é discutido e tratado com seriedade — apesar, ressalve-se sempre, de lastimáveis desvios de conduta.
Nota: O que explica a má colocação do senador Aécio Neves (PSDB-MG) na edição de 2014 do Ranking do Progresso de VEJA em parceria com o Núcleo de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Necon)? Candidato à Presidência desde junho deste ano, Aécio saiu em campanha pelo país, o que evidentemente o afastou de Brasília e da movimentação cotidiana do Senado. Era natural, dada a ausência, imperativa aos candidatos a qualquer cargo, mas sobretudo aos postulantes a presidente, que Aécio fosse penalizado por dedicar menos tempo à atividade legislativa, votando menos do que poderia, por exemplo. Se tivesse votado em todas as ocasiões e aproveitado as oportunidades para fazer mais pronunciamentos e apresentar mais emendas, Aécio apareceria melhor posicionado na listagem. Os mais de 51 milhões de votos obtidos por Aécio na disputa presidencial vencida por Dilma Rousseff, com vantagem de pouco mais de 3 milhões de votos, indicam a relevância e a aprovação por um imenso grupo de brasileiros do trabalho parlamentar do senador mineiro desde fevereiro de 2011, respeitado tanto por companheiros de partido como por opositores. Sua posição no Ranking do Progresso em 2014 é, portanto, um ponto absolutamente fora da curva.
SIMPLIFICAÇÃO - O parlamentar de Sergipe: “A cobrança de impostos precisa ser menos burocrática”
Apesar de ainda estar nos primeiros quatro anos de mandato, o médico e bacharel em direito Eduardo Amorim, do PSC de Sergipe, não chegou por acaso em primeiro lugar no Ranking VEJA. Ele já vinha se destacando desde que assumira sua cadeira no Congresso por ter uma intensa produção legislativa voltada para o desenvolvimento do país. Amorim é um inabalável defensor da transparência dos gastos públicos, da simplificação da cobrança de impostos e da eficiência dos serviços prestados pelo governo. “Embora a lei da transparência exista, precisamos sedimentá-la, petrificá-la na nossa democracia. Os atos públicos precisam ser expostos, de forma clara. É por meio da transparência que o cidadão pode cobrar mais do governante e fazer valer o voto que depositou na urna”, diz o senador.
Em 2013, Amorim ocupou um posto relevante na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional. Ele foi designado relator da receita, que discrimina o montante de recursos para os gastos do governo no exercício seguinte. Amorim chegou a bater de frente com setores governistas e do próprio Legislativo ao defender uma rigorosa exposição dos números de crescimento e inflação. Isso causou transtorno ao Ministério da Fazenda, que, nos últimos anos, se acostumou a utilizar sua “contabilidade criativa” para maquiar as contas públicas. “O governo dizia que a inflação seria menor que 5% e eu pedia que comprovasse isso. Foi um debate intenso. Até mesmo colegas do Congresso queriam apenas que eu assinasse o relatório com os dados do governo”, conta ele. O senador não aceitou e colocou no seu relatório os dados que considerava serem reais: inflação a 5,8% e crescimento por volta de 2%. “O governo queria colocar 4%. Eu dizia o tempo todo que não seria um instrumento para elaborar uma peça fictícia”, conta Amorim.
Além da transparência e da precisão dos atos públicos, o senador está entre os parlamentares que acreditam que a cobrança de impostos precisa ser mais racional e menos burocrática. Ele também defende a ideia de que é preciso dar estímulos tributários a regiões menos favorecidas do país. Amorim é autor de um projeto de lei que prevê incentivo fiscal para fomentar projetos turísticos em cidades do Nordeste que utilizem mão de obra recrutada no local do empreendimento. Ainda na área tributária, o senador é autor de uma iniciativa que prevê isenção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para automóveis movidos a energia elétrica.
No âmbito da gestão, Amorim afirma que é preciso melhorar o funcionamento dos órgãos de fiscalização e controle, como os tribunais de contas municipais, estaduais e federal. Ele é autor de uma proposta que determina a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas. Segundo o parlamentar, o novo órgão funcionaria com características similares às do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça. Amorim também defende a reforma política para melhorar a relação entre Executivo e Legislativo: “Sou a favor do fim das coligações proporcionais, que acabam elegendo parlamentares que tiveram menos votos que outros”.
NOVATOS E EXPERIENTES - Imbassahy e Pestana: apesar de terem chegado à Câmara apenas em 2011, ambos já passaram pelo Executivo
Desde que foi criado, em 2011, o Ranking do Progresso jamais havia registrado um empate no primeiro lugar. Aconteceu agora: os deputados Antonio Imbassahy (BA) e Marcus Pestana (MG), ambos do PSDB, chegaram juntos ao degrau mais alto do levantamento. Eles se destacaram na Câmara Federal como os parlamentares que tiveram a melhor performance na defesa de propostas capazes de transformar o Brasil num país mais competitivo e moderno. “De fato, nós temos muita afinidade em temas fundamentais, como o combate à corrupção e as reformas política e tributária”, afirma Imbassahy. Entre outras semelhanças, ele e Pestana estão no seu primeiro mandato e foram reeleitos para mais uma legislatura, que tem início em fevereiro de 2015. Apesar de novatos no Legislativo, os dois já passaram pelo Executivo. Imbassahy foi prefeito de Salvador, entre 1997 e 2004. Quanto a Pestana, ocupou a Secretaria de Saúde do governo do Estado de Minas Gerais de 2003 a 2010. “A experiência no Executivo nos ajuda a enxergar melhor quais são os problemas e como se pode tentar resolvê-los”, acredita o deputado mineiro.
A corrupção, claro, é um dos entraves para o desenvolvimento do país. Por esse motivo, a ação dos parlamentares para combatê-la foi incluída entre os nove quesitos que servem de critério para a elaboração do ranking. O ano de 2014 ficou marcado pelo escândalo que envolve a maior empresa do Brasil, a Petrobras. Antonio Imbassahy teve papel decisivo no esclarecimento do estarrecedor caso do petrolão. Foi dele o requerimento de informações sobre a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. A resposta confirmou oficialmente que a Petrobras havia desembolsado 1,2 bilhão de dólares por uma refinaria comprada um ano antes ao preço de apenas 42,5 milhões de dólares. A apresentação de requerimentos de informação é uma das ferramentas do Congresso para fiscalizar o governo. Como se trata de um pedido formal, a resposta tem de ser dada em, no máximo, trinta dias. Foi utilizando esse artifício que Imbassahy conseguiu informações preciosas sobre a Petrobras. Ele revelou a VEJA que obteve êxito porque contou com a ajuda de funcionários da petrolífera.
A dupla ressalta que o país precisa melhorar sua governabilidade. “As coisas só vão mudar com a reforma política”, diz Imbassahy. “Nossa democracia está consolidada, mas não há dúvida de que o atual modelo mostrou seu esgotamento. Dois anos depois das eleições, 70% dos brasileiros não sabem sequer o nome do deputado em que votaram”, comenta Pestana.
Adriano Ceolin
Fabiano Santos é cientista político, professor e pesquisador do Iesp-Uerj e coordenador do Necon